É preciso periodizar para a hipertrofia muscular?
- Vinicius Concon RIsso
- 28 de abr. de 2019
- 8 min de leitura
Segue abaixo algumas considerações sobre o artigo de revisão mais recente sobre o tema: periodização e ganhos em força e hipertrofia muscular (Grgic, Lazinica et al. 2018).
A força muscular é considerada uma capacidade física determinante para muitos esportes, além de ser um componente essencial para a melhora da funcionalidade e qualidade de vida. Sendo assim, desde atletas de alto rendimento até idosos podem se beneficiar do aumento de força, e este, pode ser potencializado pelo planejamento do programa de treinamento.
O treinamento de força também é utilizado para o aumento da massa muscular. Em esportes como o fisiculturismo, a hipertrofia muscular é determinante para o sucesso do atleta. No processo de emagrecimento, o aumento de massa muscular cumpre um papel importante no aumento do metabolismo basal, responsável por 50% a 75% do gasto energético diário, sendo também muito importante para diferentes públicos, e alterações/modulações no programa de treinamento podem potencializar as respostas hipertróficas.
Uma forma de organizar e planejar o treinamento de força é a periodização (já escrevi sobre isso aqui). Segundo os autores do presente estudo, a periodização pode ser definida como a manipulação das variáveis de treino a fim de otimizar o desempenho em pontos/períodos específicos, administrar a fadiga e evitar a estagnação dos resultados. Variáveis como o volume, a intensidade, ordem dos exercícios e frequência semanal (entre outras) são modificadas de acordo com a fase e o modelo de progressão adotado para promover o pico de desempenho em períodos específicos.
Aqui eu já deixo meu primeiro questionamento: e quando não temos uma data específica para o pico de desempenho (como uma competição)? Quando o objetivo é emagrecer e hipertrofiar, mantendo esse resultado de forma mais constante o possível e não se importando com a força máxima, potência, taxa de desenvolvimento de força, velocidade, ou qualquer outra capacidade física ou habilidade? Podem ser fatores determinantes no mundo dos atletas, porém, quantos alunos da academia convencional buscam esses resultados? E quantos querem ficar apenas com um corpo melhor? Não vamos entrar no critério do que é importante para o treinador, mas sim, quais são os principais objetivos do aluno, por mais “rasos” que eles possam ser. Guarde isso.
Voltando para a pesquisa de revisão sobre o tema. Qual é a ideia por trás da periodização? Segundo os autores, para um programa de treinamento se manter efetivo, é preciso sobrecarregar o sistema neuromuscular de forma regular. Basicamente, aumentar o desafio semanalmente ou a cada 2 a 3 semanas, e evitar a manutenção do mesmo estímulo por um longo período. Isso por conta da alta capacidade o organismo em se adaptar aos estímulos, conhecido como plasticidade muscular.
De Souza e colaboradores avaliaram os efeitos de 12 semanas de treinamento de força periodizado (dois modelos) e não periodizado (De Souza, Tricoli et al. 2018). Ao final do estudo, ambos melhoraram a força sem diferenças estatísticas entre os grupos. Entretanto, ao final das primeiras 6 semanas apenas o grupo não periodizado apresentou aumentos significativos, sendo que ao final das últimas 6 semanas os dois grupos de periodização melhoraram de forma significativa, sem mudanças do grupo não periodizado. Esses resultados afirmam a ideia de que, quando não periodizado, os resultados podem estagnar após um curto período. Sendo assim, parece que os efeitos da periodização são mais crônicos, ficando a dúvida quanto ao maior aumento de força para o grupo periodizado caso o estudo perdurasse por mais algumas semanas.
A curta duração dos protocolos da maioria dos estudos de periodização (6 a 12 semanas) é a maior critica quanto a qualquer interpretação da efetividade dos modelos, uma vez que os defensores da periodização afirmam que os efeitos aparecem a longo prazo.
Outro ponto importante a ser citado é o conceito de periodização. Como citado no início desse texto, o objetivo em dividir o treinamento em períodos é atingir o pico de desempenho em uma data especifica, utilizando inclusive o período de taper para tal (redução do volume e manutenção da intensidade elevada). Entretanto, os autores consideram a simples alternância de estímulos como periodização, sem necessariamente utilizar de períodos de taper, períodos regenerativos ou até semanas de choque (semanas de maior volume e intensidade), como prezam os livros de periodização. Um exemplo disso é o modelo utilizado por De Souza e colaboradores, onde o grupo tradicional diminuiu o volume e aumentou a intensidade ao longo das semanas, e o grupo ondulatório alternou esses estímulos dentro da própria semana.

Podemos observar que a única diferença entre os grupos que periodizaram e o grupo que não periodizou foi a alternância de estímulos (zonas de repetições máximas), sendo que o grupo não periodizado manteve o estímulo ao longo das 12 semanas. O fato deste grupo ter utilizado uma zona de repetições distante de uma repetição máxima (1RM) pode justificar o fato de não ter melhorado a força ao longo das últimas 6 semanas (princípio da especificidade). Sabemos que para aumentar a força, basta trabalhar em intensidades próximas a 1RM, o que aconteceu apenas com os grupos periodizados. Então fica o questionamento, foi a periodização em si ou o fato de o grupo não periodizado ter trabalhado com cargas menores ao longo do estudo? E se esses indivíduos treinassem com 4RM ao invés de 8RM em todas as semanas, seria diferente?
A crítica aqui realizada não é se a periodização funciona ou não, ainda faltam estudo crônicos com avaliações rigorosas e com indivíduos treinados para chegarmos em um consenso, mas sim sobre o que é considerado periodização. O simples fato de alternar os estímulos ao longo das semanas, mesmo sem uma data específica para se atingir o pico de desempenho e sem períodos de taper pode ser considerado periodização? Ou seria mais uma organização e variação dos estímulos com o objetivo de não estagnar os resultados? Um interessante estudo sobre o tema faz essa diferenciação entre periodização e programação, escrevi sobre ele aqui.
Quando entramos na área da hipertrofia o buraco fica ainda mais embaixo. Garanto que você, personal trainer, conhece inúmeros casos onde o indivíduo treina sem monitoramento algum, e ainda tem um ótimo “shape”, ou seja, atinge a hipertrofia muscular desejada. Claro que, quando falamos sobre os indivíduos que utilizam de esteroides anabolizantes, qualquer interpretação sobre a eficácia do treino pode ser equivocada. Entretanto, existem casos em que, sem esteroides, e sem periodização (pelo menos pré-programada), apresentam ótimos resultados de hipertrofia muscular. Acredito que, além do potencial genético destes indivíduos, estes treinam com altos volumes e com uma ótima constância, apresentam adesão ao treinamento de força (pode estar acabando o mundo, mas não perderão o treino de bíceps) e variam os estímulos semanalmente.
Note que, não existe período regenerativo ou taper programado, não existe uma data para o pico de desempenho, existe apenas adesão, variação (de zonas de repetições e de exercícios), falha muscular (ou próximo a ela) e provavelmente uma dieta rica em proteínas. E no final, o que importa é o resultado no espelho (sem hipocrisia, mas acredito que mais de 90% dos alunos não buscam melhorar a potência ou a força máxima, mas sim diminuir a gordura e aumentar a massa muscular). Será que cabe a periodização (como foi criada) para este público? É determinante periodizar quando o objetivo é hipertrofia muscular? Se considerarmos que, o simples fato de alternar os estímulos é periodizar, o exemplo acima utiliza da periodização mesmo sem saber.
Para responder essa pergunta através da ciência, o presente estudo de revisão (Grgic, Lazinica et al. 2018) chegou ao número total de 12 artigos avaliados (baixo), sendo que apenas 3 estudos utilizaram um método direto de avaliação da hipertrofia muscular (i.e., ultrassom ou ressonância magnética – mais confiáveis). Os resultados apontaram respostas hipertróficas similares para ambas as condições, periodizado ou não-periodizado. Em decorrência das limitações citadas acima, não podemos concluir que a periodização é dispensável quando o objetivo é o aumento de massa muscular, a ciência ainda carece de bons estudos nessa área. Porém, novamente, todos os estudos citados consideraram a alternância de estímulos (zonas de repetições máximas), de forma tradicional ou ondulatória, como periodização.
Novamente, apenas o fato de variar a intensidade pode ser considerado como periodização? A maioria dos estudos acabam equalizando o volume total e utilizando os mesmos exercícios entre os grupos, sendo a intensidade (zonas de repetições máximas) a única variável manipulada de forma diferente. Supondo que futuros estudos comprovem a superioridade dos modelos de periodização para hipertrofia, foi o fato de periodizar ou a variação de estímulos empregada? Ou até esqueça taper, período regenerativo, microciclos de choque, etc... periodizar é variar o estímulo e ponto?
Atenção, auto relato:
Trabalho como personal trainer há 5 anos, e nunca tive um aluno atleta. Todos buscam um corpo melhor, e consequentemente a melhora da saúde. Parece pouco, mas com o aumento da autoestima é possível prevenir ou até curar uma das doenças mais frequentes do século, a depressão (Kekäläinen, Kokko et al. 2018). Tento adaptar as ideias da periodização no planejamento de treino, porém sempre tive uma enorme dificuldade frente às inúmeras situações cotidianas dos alunos, como viagens repentinas, falta de sono, alimentação inapropriada, situações como desprazer da prática por ter exercícios ou zonas de repetições que o aluno não gosta (o que pode afetar a adesão, e o meu bolso), entre vários outros fatores que fizeram com que eu acabasse criando uma forma de controle, prescrição e progressão bem adaptada.
Sempre no início dos treinos faço uma breve anamnese, considerando fatores agudos e da rotina da semana anterior. Percebo a condição atual do aluno. Estudo os treinos prévios (tudo arquivado no excel), e observo as zonas de repetições utilizadas, exercícios, progressões, pausas, ordem dos exercícios, frequência de estímulo por grupamento muscular, entre outros fatores. Planejo a sessão atual, executo, percebo o feedback e arquivo tudo no excel. Sempre de acordo com a condição atual do aluno e sua adesão aos treinos anteriores. Se ficou muitos dias sem treinar, aumento o volume e utilizo métodos. Se apresenta uma ótima adesão, e vêm trabalhando com uma progressão de volume, reduzo o volume e aumento das intensidades (adaptando o taper da periodização original). Entretanto, perceba que dependo diretamente do feedback do aluno, não apenas físico, mas também psicológico.
Tenho minhas dúvidas quanto a falta de flexibilidade na prescrição de treino, com pensamentos do tipo: é isso o que você tem que fazer e ponto! Se nem a ciência conseguiu comprovar a superioridade da periodização, inclusive para atletas olímpicos (Mujika, Villanueva et al. 2019), como você pode colocar seu aluno que não busca nenhum pico de desempenho a essas situações de estresse? Um exemplo são os inúmeros estudos que utilizaram cargas baixas e obtiveram os mesmos resultados de hipertrofia do que cargas altas, quando as séries foram levadas até a falha muscular (ou próximo a ela) (Ozaki, Loenneke et al. 2016). Se o aluno não gosta, ou tem medo, de levantar muito peso e o objetivo dele é hipertrofia, não há a necessidade de realizar treinos com altas cargas. Nestes casos, dou ênfase no estresse metabólico (um dos possíveis mecanismos para a hipertrofia muscular (Schoenfeld 2013)), aumento a zona de repetições (i.e., 15 a 20) ou adiciono métodos como o bi-set.
É possível trazer lógica na progressão e na prescrição sendo flexível aos interesses dos alunos. Veja bem, não é fazer o que eles querem, mas sim escutá-los, observá-los, e avaliá-los diariamente para depois utilizar seus conhecimentos da biomecânica, fisiologia e do treinamento para a sua aula de personal.
Deixo aqui todo o meu respeito para quem pensa diferente e consegue aplicar a periodização (como foi originalmente criada) nesse meio. Entretanto, como vimos no texto acima baseado em evidências científicas, periodizar ainda não é comprovadamente melhor do que não periodizar quando se trata de hipertrofia muscular. Diria que, variar os estímulos de forma sensata, utilizando os seus conhecimentos da área, e olhando para seu aluno, é o grande diferencial do profissional de educação física.
Referências
De Souza, E. O., V. Tricoli, et al. (2018). "Different patterns in muscular strength and hypertrophy adaptations in untrained individuals undergoing nonperiodized and periodized strength regimens." The Journal of Strength & Conditioning Research 32(5): 1238-1244.
Grgic, J., B. Lazinica, et al. (2018). "Should resistance training programs aimed at muscular hypertrophy be periodized? A systematic review of periodized versus non-periodized approaches." Science & Sports 33(3): e97-e104.
Kekäläinen, T., K. Kokko, et al. (2018). "Effects of a 9-month resistance training intervention on quality of life, sense of coherence, and depressive symptoms in older adults: randomized controlled trial." Quality of Life Research 27(2): 455-465.
Mujika, I., L. Villanueva, et al. (2019). "Swimming Fast When it Counts: A 7-Year Analysis of Olympic and World Championships Performance." Int J Sports Physiol Perform: 1-23.
Ozaki, H., J. P. Loenneke, et al. (2016). "Muscle growth across a variety of exercise modalities and intensities: contributions of mechanical and metabolic stimuli." Med Hypotheses 88: 22-26.
Schoenfeld, B. J. (2013). "Potential mechanisms for a role of metabolic stress in hypertrophic adaptations to resistance training." Sports medicine 43(3): 179-194.
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